Oxford University Press
2023
Hardback £80.00
288
Reviewed by: Diana Soeiro (Nova University of Lisbon)
O nome do físico alemão Albert Einstein (1879-1955) é bem conhecido pelo público em geral. O do filósofo francês Henri Bergson (1859-1941), nem tanto. No entanto, em vida, ambos tiveram amplo reconhecimento. Einstein recebeu em 1922 o Prémio Nobel da Física e, Bergson, em 1927, o Prémio Nobel da Literatura e a Grã-Cruz da Legião de Honra (1930). Na época, enquanto a reputação de Bergson já era elevada, Einstein ainda começava a aparecer nos circulos académicos.
Mas mesmo para quem conhece ambos é estranho pensar que, realmente, com o passar do tempo, enquanto Einstein continua a ter uma presença no imaginário de muitos enquanto cientista (ou mesmo enquanto ‘o cientista’), Bergson não. Sendo ambos intelectuais de peso, porquê os destinos diferentes? Existem razões que possam explicar a recepção calorosa de Einstein e a relativa indiferença a Bergson?
Jimena Canales faz um trabalho extraordinário esclarecendo esta e muitas outras questões. Ainda que o enquadramento narrativo do livro seja descrever os acontecimentos que precederam, e que se seguiram, ao único encontro público entre Einstein e Bergson (a 6 de Abril de 1922, em Paris) é um facto que, ao fazer isto, Canales esclarece o leitor acerca do pano de fundo que contextualiza a investigação científica de todo o século XX. Soando ambicioso, a fluidez e naturalidade com que Canales desenvolve a sua obra, torna este livro faz com que este livro não se torne banal. Ao público em geral, torna um assunto complexo, acessível. Ao especialista, dada a amplitude de áreas e nomes que Canales inclui, oferece uma visão verdadeiramente multidisciplinar do panorama científico tornando a leitura ávida.
Durante o encontro de 1922, Einstein e Bergson tinham por assunto discutir cada uma das suas propostas relativamente à questão: “o que é o tempo?”. A escolha de um e de outro, para o debate, cumpria vários objectivos. Por um lado, como refere Canales, aproximar a França e a Alemanha que, num contexto pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918), tinham relações tensas (Capítulo 2). Por outro lado, Bergson tinha nome e era da área da Filosofia; Einstein era um jovem professor que muito rapidamente tinha assumido um lugar de destaque dentro da universidade, leccionando a recém-criada disciplina de Teoria Física, na Alemanha, e começando a ganhar fama nos círculos científicos. O que poderia acontecer se a “ciência primeira”, a Filosofia, entrasse em confronto com uma das mais recentes ciências, relativamente a um conceito central para ambas?
A propósito de confronto entre Filosofia e ciência, e oferecendo um contexto que o livro não oferece, relembramos Edmund Husserl (1859-1938), matemático e filósofo, cujo trabalho tem duas fases. Uma primeira em que a base do seu trabalho assenta na reflexão sobre elementos da Matemática e uma segunda fase, em que se percebe haver uma transição no pensamento de Husserl, que o torna particularmente focado em questões metafísicas. Para uns, a segunda fase é lamentável, evidenciando um Husserl que perdeu a orientação; para outros, essa mesma fase é um desenvolvimento natural da primeira, em que as suas reflexões ganham clareza, maturidade e lucidez.
Isto para dizer que, num contexto de século XX, o lugar da Filosofia face às várias novas ciências emergentes no início do século, é um tema central para compreender o confronto Einstein-Bergson que está também presente no trabalho de Husserl, que virá a criar uma das correntes filosóficas mais influentes, a Fenomenologia (base do que é conhecido hoje, no mundo Anglófono como Filosofia Continental). O confronto entre Filosofia e Ciência é, portanto, de grande relevância não apenas em diversos outros autores, mas até mesmo para a compreensão de um autor do século XX que é, não por acaso, incontornável.
No início do século XX, muito rapidamente, as ciências sociais emergem, resultado de um cruzamento entre as Humanidades (Filosofia e Artes) e o Positivismo (aqui entendido no sentido enunciado por Auguste Comte (1798-1857)), procurando não mais o “porquê” mas sim o “como”, submetendo a imaginação à razão. Objectividade é a palavra de ordem. O recurso à Matemática, aos números, torna-se assim elemento indispensável, marca de um verdadeiro conhecimento científico. Ainda hoje, números, estatísticas, gráficos são sinónimo de credibilidade. Isso é ciência.
Na altura do debate Einstein-Bergson, como Husserl viria a discutir pouco depois em A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (1936), já se estava em plena crise das ciências. Entre as muitas perguntas que se levantavam, encontrava-se uma central: Qual o papel da Filosofia perante a emergência de uma nova concepção de ciência, positivista, e perante a emergência de novas ciências, ditas, sociais?
Como lembra Canales, nas palavras de Martin Heidegger (1889-1976), devemos assumir que a Filosofia é uma forma especial de ciência, “a ciência primeira”, sendo isso suficiente para reclamar a sua relevância? (Capítulo 11) Não. Heidegger, discípulo de Husserl, discordava de Husserl em vários aspectos, mas ambos estavam de acordo com o diagnóstico de que a Filosofia estava em uma época em que se encontrava ameaçada, precisando reafirmar sua legitimidade. O que fazer?
O encontro de Einstein e Bergson anuncia as duas posições que se virão a extremar cada vez mais ao longo do século, sendo que em 1922, a situação era já evidente: a decadência da Filosofia e o triunfo da ciência. (p.6) O encontro tornou-se, com o passar do tempo, cada vez mais significativo, porque simbólico de um “velho mundo” da ciência (Bergson) e de um “novo mundo” da ciência (Einstein). De lembrar que, em 1750, Denis Diderot (1713-1784) ainda considera “filosofia” e “ciência” como sinónimos. (p.40)
Acentuando ainda mais este contraste entre “velho” e “novo”, Bergson, toda a sua vida, permaneceu em França (mesmo durante a ocupação alemã, em 1941) enquanto Einstein nos anos 30, se mudou para o “novo mundo”.
Einstein, tendo visitado os Estados Unidos da América (EUA) pela primeira vez em 1921, com a subida de Hitler ao poder, em 1933, sabendo que não podia regressar à Alemanha, encontrou posição na universidade de Princeton (New Jersey). Tendo obtido cidadania americana em 1940, viveu nos Estados Unidos até ao fim da sua vida. (Boyer e Dubovsky 2001, 218) De reconhecido académico passou a celebridade científica.
Bergson, por sua vez, tendo feito conferências no Reino Unido e nos EUA, tendo vários trabalhos seus traduzidos em várias línguas e sendo amplamente reconhecido, não se tornou celebridade.
No dia do encontro, em 1922, Bergson tinha 62 anos e Einstein 43. Ambos se mencionaram mutuamente por várias vezes, ao longo de vários anos, talvez por perceberem que os tempos urgiam ao constante relembrar da sua diferença de posições. “O que é o tempo?”. Que posição defendia cada um?
Para Bergson, a teoria da relatividade explicava o tempo, do ponto de vista da Física, mas o que havia para saber acerca do tempo, nem de perto nem de longe, acabava aí. A Filosofia, sim, tinha uma contribuição a fazer que podia ser relevante para esclarecer a pergunta de forma mais completa.
Para Einstein “o tempo dos filósofos não existe” (p.19), acreditando que existem acontecimentos objectivos que são independentes dos indivíduos e que o dever da ciência é identificá-los. (p.20) A definição de tempo de Einstein assentava em medições e em relógios. Para Bergson, a ideia era aberrante. (p.42) Não que Bergson “não acreditasse” em relógios. Mas para ele, os relógios ajudavam a notar simultaneidades. No entanto, isso dizia ainda pouco acerca de ‘o que é o tempo’. Mais ainda, os relógios não medem a duração, dizia Bergson, permitem apenas “contar simultaneidades, o que é muito diferente” (p.43). Para Bergson, na duração há uma “perpétua criação de possibilidade e não apenas de realidade.” (p.44) O seu livro Duração e Simultaneidade (1922) é uma resposta ao conceito de tempo de Einstein. (p.14)
O contraste entre ambos é extremo. Einstein procurava a unidade do universo e leis imutáveis, Bergson procurava desencobrir a dinâmica incessante criadora. Einstein procurava consistência e simplicidade e Bergson, inconsistências e complexidades.
Para Einstein, havia um tempo psicológico (o da Filosofia) e um tempo físico (da Física), sendo que ao psicológico nada de concreto correspondia (p.47). Esta ideia repelia Bergson, em primeiro lugar, a dualidade apenas já não fazia sentido nenhum (p.5) Einstein dizia que Bergson (ainda que tivesse formação de base em Matemática) não percebia nada de Física e não compreendia os cálculos. A resposta de Bergson a Einstein foi largamente ignorada, tendo sido acusado de espiritualista, anti-ciência, contra o mecanismo e revivalista do oculto (p.9, 13)
Certo é que, para Bergson, o Tempo (capitalizado, como Bergson escrevia) nunca poderia ser inteiramente captado por números, instrumentos (relógios ou instrumentos de gravação) ou fórmulas matemáticas. (p.24)
Einstein queria salvar a relatividade da metafísica e, por isto, a perspectiva da Filosofa podia, e devia, ser evitada. Mas para Bergson, a questão do tempo mostrava como, mesmo a física, não podia escapar a relacionar o problema com a experiência humana. (p.48) A teoria da relatividade, para Bergson, dizia respeito à Epistemologia e não à Física e tinha de ser percebida, prioritariamente, à luz da Filosofia. (p.4) Ou seja, o que estava em causa era o método, ou seja, qual a forma de acesso em jogo na teoria da relatividade? Um acesso, sim, mas limitado, restrito, ao qual a realidade vivida do humano escapava por completo.
Segundo Bergson, Einstein explica alguma coisa acerca do tempo, mas não tudo, o que é estranho, para uma teoria que reclama a unidade de um todo e que toma isso mesmo, por princípio. É um paradoxo epistemológico e é aqui que reside o problema. Mais ainda, Einstein refere-se a si próprio como sendo “um físico de fé” (p.339). Einstein procede assim de forma dedutiva, a partir de um princípio de fé, como o próprio admite, e Bergson usa um método indutivo e daí o foco em avançar caso a caso. Não é de estranhar que à dada altura, Bergson tenha acusado Einstein de ser Cartesiano (apesar de Einstein ter acusado Bergson do mesmo).
Indo ainda mais longe, e apontando uma diferença epistemológica essencial, para Einstein, o universo não depende de qualquer observador, humano ou de qualquer outro tipo. Para Bergson, a componente humana é inescapável, mesmo quando se trata de ler um instrumento, sem a qual, este, não seria lido. (p.323)
Sobre o que terá contribuído para a separação entre ‘filosofia’ e ‘ciência’, Canales diz-nos que circa 1830, o termo “cientista” é usado como substituição de “filósofos da natureza”. Pouco depois, em 1840, aparece o termo “físico”, para descrever aquele que estuda a “força, matéria e as propriedades da matéria”. (p.40) Isto significa que primeiro o conceito de natureza deixa de estar associado à Filosofia e pouco depois o conceito de força também. Bergson, pretende recuperar os dois, captando a manifestação do tempo, de forma dinâmica, na experiência do vivido (segundo a natureza humana), dinâmica a qual depende de um impulso, de um motor vital, em constante movimento. Fortemente influenciado por Bergson, Gilles Deleuze (1925-1995) assume o conceito de força como central no seu trabalho, sendo um autor que fortemente contribuiu para uma redescoberta de Bergson.
Como mostra Canales, a mecânica quântica (que questiona a relatividade), a teoria do caos e a cibernética tornaram o trabalho de Bergson relevante outra vez. Bergson, tendo outrora aparecido como o representante de uma “velha ciência”, ressurgiu como relevante para compreender, por exemplo, as novas tecnologias (telégrafo, telefone e rádio — Capítulo 22) considerando que a comunicação excede a comunicação de sinais, como Einstein entendia. O que torna a comunicação significativa inclui imaginação e interpretação. (p.271)
Tendo por elemento central a disputa entre Einstein e Bergson, que na verdade é um evento que se viria a tornar símbolo do arquétipo epistemológico das duas posições nos círculos académicos, no século XX, Canales contextualiza o trabalho desenvolvido por Henri Poincaré (1854-1912), Albert A. Michelson (1852-1931, Prémio Nobel da Física, 1907), Hendrik Lorentz (1853-1928), Ernst Cassirer (1874-1945), Husserl, Heidegger, Alfred North Whitehead (1861-1947), Bertrand Russell (1872-1970), León Brunschvicg (1869-1944), Gaston Bachelard (1884-1962), Franz Kafka (1883-1924), Deleuze e Bruno Latour (n.1947). Contextualiza também ambos os paradigmas epistemológicos relativamente ao esforço para estabelecer um calendário, ao esforço de medir de forma exacta o tempo, à reacção por parte da igreja católica a ambos os paradigmas, à passagem dos relógios de bolso para os relógios de pulso, (capítulo 21), ao cinema (Capítulo 24 e 25), e à microbiologia, que Einstein desconsiderava e que Bergson queria incluir na sua filosofia (capítulo 26).
Todos estes elementos, aparentemente dispersos e “secundários” têm um papel determinante, historicamente, para determinar a recepção e reputação de Einstein e Bergson. É esta riqueza, e clareza, de personalidades e eventos secundários, lidos à luz do encontro de Einstein e Bergson, que torna o livro de Canales inteligente, estimulante e relevante para muitos. É por isto que, certamente, muitos procuram este livro e espera-se que o venham a encontrar. Historiadores, filósofos, físicos, cientistas, interessados, especialistas em cada um dos autores referidos, poderão encontrar aqui uma contextualização simples e valiosa, que vinga por não ser simplista.
No tempo do debate, as posições de Einstein e Bergson eram entendidas como “ou-ou” (p.7) e para Caneles, hoje, não tem de ser assim, podemos viver com as duas. No fundo, a autora favorece a sugestão de Heidegger que, perante a dicotomia (nas suas palavras), entre “o tempo do relógio” e “o tempo vivido”, encontrava no ‘quotidiano’, o foco que resolvia a dicotomia entre ambas, visto que aí, os seus contornos tornavam indiscerníveis. (p.147)
Certo é que “[p]ara o melhor ou para o pior, o debate entre Einstein e Bergson não acabou, e provavelmente nunca irá acabar.” (p.39)
References
Boyer, Paul S. and Melvyn Dubofsky. 2001. The Oxford Companion to United States History. Oxford: Oxford University Press.
Lawlor, Leonard and Valentine Moulard Leonard “Henri Bergson”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2016 Edition), Edward N. Zalta (ed.), Acedido a 6 de Dezembro 2016.
Bourdeau, Michel, “Auguste Comte”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2015 Edition), Edward N. Zalta (ed.), Acedido a 6 de Dezembro 2016.